FIQUE SABENDO! / TEMER PEDIU CORTES PROFUNDOS EM ÁREAS SOCIAIS, AINDA QUE O “INSTITUTO MERCADO POPULAR” NÃO ENTENDA
O editor de um site direito-libertário, o “Instituto Mercado Popular” (IMP), assinou um post na página de Facebook deles, divulgado a seus 35 mil seguidores, chamando nossa análise, que comparava a proposta de Temer com a de Dilma Rousseff no ano anterior, de “porca” e “tudo mentira”. Ele chegou a essa conclusão porque “aquele projeto de orçamento [de Rousseff] era uma ilusão, e o gasto efetivo nessas áreas foi menor”. Ou seja, que a proposta orçamentária de 2016 era irrelevante porque os gastos verdadeiros em áreas sociais eram muito inferiores, criando a “falsa conclusão” de que Temer está propondo grandes cortes nessas áreas. O IMP não cita nenhum número, fonte, cálculo ou link relevante para apoiar sua conclusão, apenas diz. (O post também foi replicado na íntegra com o titulo “Glenn engana” pelo site “O Antagonista”, liderado pelo polemista da extrema-direita e ex-colunista da Veja, Diogo Mainardi.)
A análise original foi conduzida com o mesmo profissionalismo de sempre por Breno Costa, habituado a lidar com esse tipo de material desde a época em que era repórter de política na Folha de S.Paulo, por exemplo. (Vale a pena notar a ironia com que o IMP e O Antagonista personalizaram suas acusações de falta de rigor profissional contra o editor co-fundador do The Intercept, Glenn Greenwald, que não escreveu ou editou o texto em questão – até porque não tem essa função.)
Vamos aos números.
Desde que o Orçamento de 2016 foi aprovado e implementado, de acordo com um levantamento via Siafi (conforme dados disponíveis para consulta pública no sistema Siga Brasil, gerenciado pelo Senado Federal), houve, sim, R$ 2,18 bilhões em reduções de gastos no conjunto dos 11 programas sociais destacados inicialmente pelo The Intercept Brasil. Mas R$ 953 milhões (ou 43,6%) foram cortados nos três meses da interinidade de Michel Temer. O corte total nessas áreas foi de 1,17% de tudo o que havia sido projetado, inicialmente, pelo governo Dilma Rousseff, e 1,16% do que foi aprovado pelo Congresso em números nominais.
Desta vez, não gastamos nosso tempo corrigindo esses números para considerar a taxa de inflação no período, pois é sexta-feira, e a diferença é tão esmagadora que a natureza difamatória e mal-informada do crítico do IMP fica evidente. Para quem não leu nossa matéria, o governo Temer propõe um corte de R$ 29,2 bilhões (corrigido para inflação) nos mesmos 11 programas — uma queda real de 14% e uma redução media de 30% por programa. Essa diferença de dezenas de bilhões de reais é o que qualquer observador sóbrio chamaria de “cortes marcados”.
Outro ponto que o editor do Instituto Mercado Popular traz em seu post de Facebook, com bastante destaque, é que houve variações nas previsões de crescimento do PIB em 2016 e 2017 que impactaram negativamente a economia e a arrecadação de impostos. O fato é que a reportagem verificou, com base nas duas propostas orçamentárias, que o montante total de despesas do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social programadas para 2017 é 4,8% maior (já descontada a inflação) do que o previsto por Dilma no momento da sua proposta orçamentária ao Congresso, no ano passado.
Ou seja, a grande questão, aqui, é entender por que há uma projeção (significativa) de menos recursos para os programas sociais listados, enquanto, dentro desse mesmo bolo, a fatia de áreas como defesa, agronegócio, política espacial e política nuclear, entre outros, apresenta crescimento. A base de recursos é a mesma. Por que, afinal, houve mudança no tamanho das fatias? É uma simples e legítima questão de prioridades (embora fosse muito mais legítima se os eleitores tivessem votado por um governo que fosse seguir nessa linha).
Também é importante deixar claro para quem ainda estiver interessado no assunto que, com todo o critério jornalístico que temos por obrigação e pelo nosso prazer em trabalhar, tivemos o cuidado de:
- Comparar a proposta de Orçamento não com a lei aprovada pelo Congresso ou mesmo com os valores efetivamente autorizados ao longo da execução orçamentária deste ano, mas, sim, com a proposta de orçamento apresentada exatamente um ano atrás pelo governo Dilma, como explicam os primeiros parágrafos da matéria. Não comparamos alhos com bugalhos.
- Corrigirmos os valores considerando a inflação do período, referente aos preços de mercado (IGP-M). Afinal, não estamos falando de algo que custa R$ 10 hoje e que passará a custar um real a mais dali a um ano. Estamos falando de coisas de R$ 5 bilhões que viram algo, em média, R$ 550 milhões mais caras.
- Deixarmos claro no título, assim como no gráfico publicado, que o Orçamento apresentado era uma “proposta”, não o Orçamento final, assim como foi no caso de Dilma. O título da reportagem é “Temer pede”. Além disso, a reportagem termina com esta observação, que reafirmamos aqui:
- “Toda essa numeralha envolve apenas a proposta inicial de gastos. Esses valores serão trabalhados no Congresso e podem aumentar ou, considerando o perfil da base aliada, diminuir ainda mais. Além disso, na execução do Orçamento ao longo do ano que vem, o governo poderá promover diretamente o chamado contingenciamento de recursos – ou, traduzindo, fazer ainda mais cortes naquilo que já foi cortado.”
Imaginamos que o IMP tenha parado de ler a reportagem antes do final.
Poderíamos continuar, mas parece que uma acusação tão rasa não merece mais do nosso tempo, nem o seu.
Seria interessante, entretanto, saber por que os integrantes do Instituto Mercado Popular não pegam as íntegras das propostas orçamentárias de 2016 e 2017 e produzem um texto para o seu público a respeito dos números, indicando onde, exatamente, existe uma perspectiva de melhoria nos recursos que estarão disponíveis para os principais programas sociais. Talvez já se consiga deduzir a resposta.
Agora, vale a pena analisar quem é que acusou o The Intercept Brasil de publicar “mentiras ideologicamente motivadas”.
O escritor, Pedro Menezes, é editor do blog do Instituto Mercado Popular (IMP) e estudante do curso de graduação de economia no Insper, de acordo com sua biografia no site. O IMP, um grupo com oito integrantes listado no seu site, acredita que o liberalismo econômico é o caminho mais adequado para garantir bem-estar aos mais pobres e cita Adam Smith na abertura de seu manifesto ao público. É uma de várias novas organizações e “think tanks” no Brasil com nomes pomposos, fundado por integrantes de um movimento da extrema direita criado e orientado nos EUA.
Geralmente, entre esses grupos, existem uma a abundância de coligações para que um grupo pequeno possa estrategicamente criar a ilusão de um amplo movimento “grassroots”, torcendo exatamente para os tipos de reformas que o governo Temer e seus apoiadores estão tentando implementar (com o bônus de quase todo mundo envolvido poder botar no currículo ser “co-fundador” de X e “diretor” de Y e talvez ganhar uma bolsa para fazer um treinamento nos EUA). O IMP foi fundado em 2013 exclusivamente por membros do grupo Estudantes pela Liberdade, que é o berço, entre outros, do líder do Movimento Brasil Livre, Kim Kataguiri.
O “Estudantes pela Liberdade”, por sua vez, é descendente direto do americano “Students for Liberty”, uma organização surgida em 2008 com o apoio de entidades conservadoras dos EUA, entre eles os irmãos Charles e David Koch, apoiadores de várias causas neoliberais, libertárias, anti-regulação e pro-industria e que estão, ambos, entre os dez homens mais ricos do mundo. O conglomerado deles, a Koch Industries, é a segunda maior empresa de capital fechado nos Estados Unidos.
Agradecemos ao IMB a oportunidade de esclarecer e reforçar nosso trabalho e elucidar a falta de rigor no seu. The Intercept Brasil foi fundado porque acreditamos que existe uma carência de debate e análise bem informada sobre os assuntos mais importantes no Brasil atualmente e que esse vácuo serve aos interesses dos mais ricos e poderosos do país (parecido com os que se alinham com grupos como o IMP), que estrangulam os tradicionais meios de comunicação no país.
Pretendemos corrigir nossos erros rápida e transparentemente, sempre que necessário, e defender nosso trabalho quando atacado de forma espúria, como foi o caso desta vez. Novos adversários, sejam bem-vindos ao debate. Por: The Intercept Brasil / Breno Costa é jornalista, baseado em Florianópolis, mas de olho no que acontece em Brasília. É cofundador e editor-executivo do site de reportagens Brio.
Quem quiser, pode ler a crítica do IMP na íntegra aqui:
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Foto: Facebook |

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