POLÍTICA / COLAPSO DO GOVERNO TEMER RESSUSCITA DIRETAS JÁ APÓS 33 ANOS
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A pergunta parece óbvia, mas segue em aberto.
Após denúncias contra Temer, manifestantes fazem protesto por Diretas Já em Brasília. Foto: Igo Estrela/ Getty Images |
Era um tempo de mobilização que gerou a força política para a emergência de lideranças e a elaboração da Constituição de 1988 – Carta que, nas palavras de deputado Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, teria cheiro de amanhã, e não de mofo. A Constituição Cidadã, como ficou conhecida, seria um marco na garantia dos direitos individuais, da liberdade de expressão, da proteção das minorias.
Curioso observar o protagonismo político de três décadas atrás e os de agora (aparentemente, fora do quadro partidário, não temos uma voz à altura de Osmar Santos e Sócrates, e o jogador de futebol mais articulado da atualidade é Felipe Melo, apoiador de Bolsonaro e entusiasta da política de distribuição de porrada em manifestantes).
Tancredo nunca assumiu o poder. Um tumor indevidamente tratado em meio ao processo eleitoral o levou à internação às vésperas da posse. Ele morreu no mês seguinte. Coube a José Sarney, figura ambígua com um pé no antigo regime e alçado a vice por situacionistas antimalufistas, o trabalho de costurar a transição do primeiro governo civil, após 20 anos de ditadura militar, até a primeira eleição geral para presidente – aquela que levou Fernando Collor ao posto, mas essa é outra conversa.
O que ninguém poderia imaginar é que o Brasil voltaria às ruas em apoio às eleições diretas no mesmo dia em que os netos de Tancredo foram enquadrados pela Justiça.
O que ninguém poderia imaginar até pouco tempo atrás é que, mais de 30 anos depois, o Brasil voltaria às ruas com cartazes em apoio às eleições diretas. Por ironia, no mesmo dia os netos de Tancredo, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e sua irmã, Andrea, foram enquadrados pela Justiça.
O primeiro foi afastado do cargo após pedir dinheiro ao dono da JBS e usar como intermediário um primo e operador, preso pela PF. A irmã também está presa, o que gerou foguetório no sindicato de jornalistas de Minas Gerais, há anos determinados em denunciar as perseguições da família aos profissionais de imprensa do estado.
Novamente um vice alçado a chefe do Executivo sem voto popular
Na mesma frente, não há figurão do PMDB, o partido fiador da transição democrática e das bases de apoio a todos os governos desde a reabertura, que não enfrente acusações de corrupção na Justiça, a começar pelo presidente da República – novamente um vice alçado a chefe do Executivo sem voto popular.
Longe dos holofotes, José Sarney, ex-senador maranhense eleito pelo Amapá, é ainda hoje uma espécie de oráculo do partido. Emplacou inclusive um filho no Ministério do Meio Ambiente. Foi ele quem classificou a delação da Odebrecht como tiro de metralhadora ponto cem. Convém ouvi-lo nas horas de aperto.
Morto em abril, o compositor cearense Antonio Carlos Belchior consagrou na voz de Elis Regina sua música mais conhecida. Falava, em plena ditadura, da dor de perceber a própria geração reproduzir os passos dos pais, mesmo tendo feito tudo o que fizeram.
Apesar do novo velho impasse político, porém, já não somos os mesmos – nem os filhos nem os netos dos antigos protagonistas, conforme assegura o noticiário sobre os herdeiros de Tancredo.
Manifestantes pedem Diretas Já durante protesto na avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Victor Sá |
O Brasil das costuras políticas pacíficas jamais acertou as contas com seu passado autoritário, e o resultado são as bases de uma sociedade ainda marcadamente violenta, arrogante, excludente e tomada de fossos entre representantes e representados, sobretudo quando reformas como a Trabalhista e da Previdência são impostas pelos primeiros sem o devido debate com os segundos – e sem a legitimidade das urnas, que se manifestou, em 2014, por outra agenda (abandonada, frise-se, inclusive por Dilma Rousseff).
Aos poucos, a expressão “Diretas Já” volta, assim, ao debate público. “A crise não apenas exige a remoção de Temer do governo como a convocação imediata de eleições para o Executivo”, escreve o ex-secretário de Estado de Direitos Humanos (governo FHC) Paulo Sérgio Pinheiro em artigo na página A3 da Folha de S.Paulo, um dos mais prestigiados espaços de opinião do jornal. “O desmantelamento das conquistas da Constituição de 1988 e da política de Estado dos direitos humanos, promovido de forma acelerada pelo governo, deve ser interrompido”, pediu o jurista.
A releitura do apelo ao voto direto para presidente em pleno 2017, que exige uma emenda à Constituição, é sintomática dos buracos abertos por quem deveria pavimentar a transição do país ao estabelecimento pleno das conquistas políticas.
Por: Matheus Pichonelli / theintercept.com
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