Nas mensagens também são tramados ataques à honra do repórter com fake news, em uma espécie de campanha de difamação.
O jornalista Lucas Neiva, do portal Congresso em Foco, virou alvo de ameaças de morte e teve dados pessoais vazados após a publicação de uma reportagem de sua autoria, nesse sábado (4), em que denuncia a tática de um fórum anônimo para produzir fake news em favor do presidente Jair Bolsonaro. Depois de ameaçar, o grupo também atacou e derrubou o Congresso em Foco nesta madrugada, situação que perdurou até por volta das 9 horas deste domingo (5).
“Parece que alguém vai amanhecer morto”, escreveu um dos usuários. “Eu ri do jornalista esfaqueado em Brasília e queria que acontecesse mais”, acrescentou outro no site 1500chan, o mais ativo imageboard brasileiro. Nas mensagens também são tramados ataques à honra do repórter com fake news, em uma espécie de campanha de difamação.
As ameaças foram registradas pelo jornalista em um boletim de ocorrência na 9ª Delegacia de Polícia de Brasília. Também há menções contra a editora do Congresso em Foco Insider, Vanessa Lippelt, igualmente autora de reportagens investigativas. Dados pessoais e endereço de Lucas foram levantados e publicados no site.
O imageboard, também chamado pelos usuários de chan, é um fórum anônimo em que internautas se comunicam sem qualquer tipo de identificação, não havendo distinção entre eles. Ataques a movimentos sociais, propaganda de extrema-direita, divulgação de conteúdo declaradamente racista e antissemita, bem como teorias de conspiração ocupam o topo das abas políticas desses sites.
Depois do ataque hacker ao Congresso em Foco, o site 1500chan substituiu sua interface pela imagem de uma caravela, tornando seu conteúdo acessível somente para usuários que utilizarem ferramentas específicas do navegador. A técnica é chamada pelos usuários de “máscara de chumbo”, e é adotada em fóruns anônimos quando são descobertos pelo público.
Após a publicação da reportagem, um dos usuários afirmou que causará problemas a Lucas, seja agora, seja posteriormente. “Se é ele se forçando aqui, então ele se fodeu. Eu vou fazer meus ataques sem falar aqui então. Ele não vai saber porque [sic] o passaporte foi cancelado, porque [sic] as contas do banco serão bloqueadas. Não vai saber quando, não vai saber porque [sic]. Talvez ele nem se lembre desse [sic] matéria daqui uns meses, mas eu vou lembrar dele.”
Na reportagem publicada neste sábado, o jornalista revelou que um usuário da plataforma se propõe a pagar com recursos próprios, em criptomoeda, a criação de conteúdo eleitoral em favor de Jair Bolsonaro que viralizar na internet. O anúncio vem acompanhado de instruções para fazer com que o conteúdo viralize, bem como do endereço de uma carteira de bitcoin para quem quiser doar para a campanha de fake news e uma orientação clara: o criador não precisa acreditar no que diz.
No 1500chan, o apoio a Jair Bolsonaro é absoluto. O anúncio para a produção de desinformação a favor do presidente não é único. Em outra publicação, o usuário sugere “fazer a esquerda sangrar”, e propõe montar uma biblioteca de material midiático para ser usado em favor do chefe de Estado, pois “a mídia de massa já mostra claramente que fará campanha contra o nosso presidente”.
Usuários do 1500chan destilam ódio contra jornalistas de maneira geral. Em troca de mensagens neste sábado, uma pessoa que se apresenta como Aristides Braga, “o maior propagador de fake news do Brasil”, defende o assassinato com requintes de crueldade de profissionais da imprensa.
Vejam as imagens dos prints:
“Fui o autor do blog Big Bosta Brasil 2022, e não vou parar com a distribuição de ódio. Todo jornalista deve ser estripado e afogado em seu próprio sangue enquanto todas as mulheres de sua família serem estupradas e mortas com requintes de crueldade. Jornalista tem mais é que ser arremessado ao mar com as mãos atadas nas costas.”
Outro usuário sugere a divulgação na plataforma de uma campanha para ludibriar e desmoralizar eventuais jornalistas “infiltrados”. “E se a gente começar a espalhar que o chan tem um gabinete do ódio chamado de ‘tábua secreta’? Será que a gente consegue fazer os imbecis da imprensa fazerem cobertura 24h sobre o que seria essa ‘tábua secreta’ e repetir todas as histórias que inventarmos sobre ela? Será que conseguimos fazer um jornalista disfarçado ‘se adentrar nos confins da dipi webi’ da caravela e visitar uma tábua secreta?” Outro internauta publicou um meme coma mensagem: “Bata em jornalista. Gostoso demais”. Também há imagem de corpos humanos desfigurados.
A reportagem de Lucas Neiva mostra a discussão sobre estratégias retóricas para defender Jair Bolsonaro no imageboard. Os usuários da página discutem maneira de jogar na oposição a culpa pelo baixo desempenho econômico de sua gestão, em especial apontando as políticas de isolamento durante a pandemia e a oposição à PEC dos Precatórios como principais causas da crise econômica.
Na sequência, um usuário propõe uma série de medidas de como a própria plataforma consegue fortalecer a campanha de Bolsonaro. “Devemos criar um sentimento de ódio contra tudo o que o Lula representa e no mínimo a sensação de ‘o Bolsonaro está certo em alguma coisa’. É possível moldar completamente a população com propaganda online”, sugeriu.
Em outra discussão, um usuário sugere a criação de uma versão alternativa da Wikipedia para a extrema-direita, em um modelo similar ao QAnon nos Estados Unidos. As páginas desse site trariam ataques diretos a figuras públicas anti-bolsonaristas, como o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, retratado como “um dos líderes do PCC”.
Apesar de ser o mais ativo, o 1500chan não é o único imageboard brasileiro. Outros sites que também adotam a nomenclatura “chan” em seus endereços oferecem um formato similar. Duas outras páginas desse formato já foram derrubadas anteriormente no Brasil por conta do tipo de conteúdo veiculado: o 55chan, em 2010, e o BRchan, em 2013. Nas duas ocasiões, os usuários migraram para o site com público mais próximo, dando continuidade ao formato.
Com informações do
PB Agora
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