FIQUE SABENDO! / A FAMÍLIA DE POLÍTICOS, EMPREITEIROS E CORRETORES QUE QUER TROCAR UMA LEI AMBIENTAL POR LOTEAMENTOS
Esse é o clã Pinheiro, de Minas Gerais, que domina o município no qual resistem em desocupar a cadeira de prefeito, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar da árvore no sobrenome, a família não é exatamente conhecida por prezar pela natureza. Com sua força política, o clã quer mudar uma lei federal que protege mais de 2.100 parques nacionais e outras reservas ecológicas no país, colocando em risco o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A proposta de Toninho Pinheiro, do Progressistas, está na agenda da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados para ser apreciada nesta quarta-feira. Ele conta com seus pares da bancada ruralista, da qual faz parte.
A família quer garantir a propriedade e o uso de fazendas dentro e no entorno do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, flexibilizando a legislação federal que protege Parques Nacionais e outras reservas ecológicas. Nessas terras, eles pretendem construir loteamentos. A nova redação da lei também permitiria que os Pinheiro ampliassem dois loteamentos que eles já possuem, ambos na divisa com o parque.
Além da política, a família também usa negócios privados para expandir suas posses a golpes de cimento. Eles são donos de nove empresas entre imobiliárias e construtoras, e têm nas mãos o cartório de registro de imóveis de Ibirité, onde a tabeliã é Ivana Isabel Pinheiro, irmã de Toninho, Dinis e Ione.
Família reunida: santinho da eleição de 2014. Toninho e Ione se elegeram, já Dinis – que concorria a vice-governador – perdeu no primeiro turno. Foto: Tamás Bodolay Foto:Tamás Bodolay |
O projeto de lei do deputado federal Toninho Pinheiro prevê que decretos de criação de Unidades de Conservação sejam extintos caso proprietários de terras dentro daquelas áreas não sejam indenizados em até cinco anos. Com a aprovação da proposta, o Parque Estadual da Serra do Rola Moça perderia parte de sua proteção, favorecendo os negócios da família.
Uma fazenda de 17 hectares – parte dentro do parque estadual, parte em sua zona de amortecimento – está registrada em nome da Liberdade Imóveis, empresa cuja sócia é a esposa de Toninho Pinheiro. Os interesses da família nessas terras são denunciados desde 2015, inclusive em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Além disso, Toninho diz possuir a fazenda Emilândia, que tem 48 hectares – 22 deles dentro do parque. O deputado afirmou que ainda não recebeu a indenização do governo, mas diz, no entanto, que não quer o dinheiro, e que vai doar os 22 hectares de conservação para o parque. “Eu já avisei até para o Ministro do Meio Ambiente que vou doar, só falta oficializar”, disse.
Áreas de dois loteamentos da família Pinheiro: eles podem ser ampliados caso as zonas de proteção ambiental sejam flexibilizadas. Foto: Tamás Bodolay Foto:Tamás Bodolay |
Toninho Pinheiro confirmou que pretende fazer “um empreendimento” nos hectares que restarem fora da dita doação ao parque, mas que “irá esperar passar a crise financeira”. Nós ligamos para o deputado federal. Ele disse que “não escreveu em causa própria” o projeto de lei que flexibiliza as áreas de conservação que por acaso o beneficiam. “Mesmo se eu tivesse interesse, meu interesse seria normal porque eu não sou político, eu estou político”.
Negócios de família
As operações imobiliárias dos integrantes da família Pinheiro são realizadas no cartório de registros de imóveis da comarca de Ibirité, que tem o nome do patriarca da família, APD – Antonio Pinheiro Diniz, ex-prefeito do município. A tabeliã é Ivana Isabel Pinheiro, irmã de Dinis e Toninho. É por lá que passam os papéis que interessam as pelo menos nove empresas, entre imobiliárias e construtoras, em Ibirité e em Belo Horizonte, pertencentes à família, conforme levantamento do Intercept Brasil em dados da Receita Federal.
Áreas de dois loteamentos da família Pinheiro: eles podem ser ampliados caso as zonas de proteção ambiental sejam flexibilizadas. Foto: Tamás Bodolay Foto:Tamás Bodolay |
O produto final da série de empresas são os loteamentos. A família é dona de dois que fazem divisa com a área de conservação, o Novo Barreirinho e o São João. Eles pertencem, respectivamente, às imobiliárias Liberdade Imóveis – que tem como sócia a mulher de Toninho Pinheiro –, e a Adília Adélia Ltda – que está em nome da mulher e dos filhos do ex-deputado estadual Dinis Pinheiro. Quando as obras de infraestrutura do loteamento começaram, em 2015, Antônio Pinheiro Neto, o Pinheirinho, era prefeito de Ibirité, cargo que ocupou até 2016.
A tentativa dos Pinheiro em lotear os terrenos ao redor do parque começou em 2011, mas foi a partir de 2014 que o processo passou a andar. Em dezembro, o prefeito Pinheirinho assinou um acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável em que foram repassadas ao município as responsabilidades sobre o licenciamento e a fiscalização ambiental. Naquele ano, o tucano Antonio Anastasia era o governador do Estado. Ele é aliado político do clã.
O loteamento passou por cima da lei que determina que as zonas de amortecimento – áreas ao redor das unidades de conservação que filtram os impactos como ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana –, depois que definidas formalmente, não podem mais ser transformadas em zonas urbanas. Além disso, a resolução de 6 de dezembro de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, determina que qualquer atividade deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente, no caso do parque, o Estado de Minas. “O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da Unidade de Conservação”, acrescenta a norma. Apenas uma cerca separa o loteamento Novo Barreirinho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça.
“Isso é perseguição.”
O licenciamento ambiental do loteamento São João foi suspenso pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A advogada das imobiliárias Liberdade e Adília Adélia, Ady Aparecida Carneiro de Matos, justificou que houve uma mudança de entendimento da atual gestão. Quem comanda a cidade, hoje, é William Parreira, do PTC, um dos raros adversários políticos a assumir a cidade dos Pinheiro. “O governo municipal atual entendeu que será necessário, para lotear o São João, de uma autorização do parque estadual”, disse a advogada.
“Isso é perseguição e má informação. Por isso estou com esse projeto de lei em Brasília, para que não tenha nenhuma dúvida”, afirmou Toninho. Ele e Dinis Pinheiro argumentaram que as áreas do loteamento são zonas urbanas desde 2001. Neste ano, Toninho era prefeito de Ibirité.
Foto: Tamás Bodolay |
Insistência
Quase 2,9 milhões de hectares de áreas protegidas federais ainda não regularizados estão ameaçados pela proposta de Toninho Pinheiro, de acordo com informações do Instituto Socioambiental. O Ministério Público Federal publicou uma nota técnica, em outubro do ano passado, questionando a constitucionalidade do projeto. “O PL 3.751/2015 afronta a Constituição Federal, pois subordina a efetividade do direito de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao direito individual e disponível de proprietários de receber indenização”, afirma o subprocurador-geral da República, Nívio de Freitas Silva Filho, em seu texto.
Já no texto da proposta, o deputado federal argumenta que a criação de unidade de conservação sobre propriedade privada, sem que o proprietário seja imediatamente indenizado, mediante prévio pagamento em dinheiro, como manda a Constituição, é ilegal e injusta e gera um grave problema social.
Integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, Toninho Pinheiro apresentou um outro projeto, em 28 de abril de 2015, que modifica diretamente as zonas de amortecimento das Unidades de Conservação do país. O PL 1299/15, arquivado em dezembro de 2015, propunha a alteração da lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Não contente com o arquivamento, ele apresentou outro PL, o 5370/2016, que tem o mesmo objetivo do rejeitado: ele insiste em reduzir as zonas de amortecimento, que têm um papel fundamental no sentido de proteger as Unidades de Conservação de pressões externas.
Por: Alice Maciel, Leandro Demori/ theintercept
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