MUNDO / O Brasil hoje é o fundo do quintal, diz jornalista

Hoje vamos falar de um tema internacional que nos afeta diretamente: a visita do secretário de Estado americano, Tillerson, à América Latina. Há três fatos curiosos que eu acho que nós deveríamos notar, curiosos e preocupantes, dois deles.
Primeiramente o fato de ter omitido o Brasil. Veja bem, é muito difícil de omitir o Brasil. É um país muito grande, tem que voar por cima do Brasil durante cinco horas pelo menos para passar da Colômbia, ou de onde estiver, até Buenos Aires. E com o agravante, naturalmente, que o vice-presidente dos Estados Unidos já tinha estado na Argentina e não no Brasil, então normalmente essas coisas na diplomacia, mesmo quando ocorrem, os dirigentes procuram compensar.

Aqui não, houve um nítido sinal para o Brasil. E qual foi o sinal? O sinal é que embora Washington tivesse um dedo em todos os acontecimentos que levaram o Temer ao poder, eles não querem se identificar com o Temer.

Eles acham que essa situação no Brasil está tão ruim que já estão apostando em um futuro, não sabemos bem qual é, mas não é o Temer, com certeza. Embora o Temer esteja fazendo tudo aquilo que o capital financeiro deseja.

É até interessante pensar nisso, quer dizer, uma visão do Departamento do Estado que vê que isso aqui não tem futuro e nós vamos ter que fazer uma outra aposta. Qual será essa aposta é algo que os analistas políticos terão que descobrir.

Outro aspecto importante da visita e muito preocupante é a incitação, ou pelo menos insinuação de possibilidade de golpe militar na Venezuela. Isso é muito preocupante para toda a América Latina, porque a expressão do secretário de Estado não era só em relação à Venezuela.

Claro, a Venezuela era objeto da pergunta e portanto da resposta, mas a colocação do Tillerson foi muito mais ampla: “de vez em quando é necessário que os militares venham para evitar que haja governos que não correspondem ao que deveria ser”. Então eu acho que isso é uma coisa muito preocupante. Eu vejo que houve até uma reação, mas isso era o caso até de colocar uma coisa mais forte no Mercosul.

Eu sei que é difícil, mas isso nos mostra o encolhimento do Brasil em todo esse processo, ainda que o atual ministro tenha criticado, tem que ser reconhecido, mas de qualquer forma, a incapacidade de montar um protesto de toda a América Latina, de toda a América do Sul em relação a isso é impressionante. Embora os próprios mexicanos, muito próximos aos Estados Unidos, também criticaram essa declaração.

Mas é muito preocupante, porque os Estados Unidos voltaram a tratar a América Latina e a América do Sul como seu quintal. Então eles vão dizer aqui o que é que tem que ser, inclusive com esse desprezo à democracia.

Então você lê que o capital financeiro hoje está tornando a democracia algo menor e menos importante dentro da sua estratégia, não é uma coisa puramente teórica, é o que realmente está ocorrendo.

Aqui ocorreu o golpe, eles disfarçaram, mas estão propondo um golpe mesmo no caso da Venezuela, contrariando princípios da ONU, da OEA, de todos os organismos internacionais e o mais importante deles, obviamente, já dizia Santiago Dantas lá atrás, o da Autodeterminação dos Povos e o da Não Intervenção.

Finalmente, o terceiro ponto da viagem do Tillerson que deve ser enfatizado, é a preocupação que revela, pela primeira vez de maneira explícita, claro que implicitamente já tinha, com a presença da China e da Rússia na nossa região. Interessante porque a América Latina, como quintal dos EUA, tem que ser preservada para os EUA e a ideia que você se relacione com outros países, outros grupos é algo que incomoda, e os EUA estão dizendo isso agora de forma explícita, o que é algo também curioso.

E mais uma vez o fato de o Brasil não ter personalidade, o Brasil hoje é um quintal, mas nem o quintal é, é o fundo do quintal, porque o “que se considera dono” não vai nem visitar. Não que não considere o Brasil importante. Claro, o Brasil tem recursos, mas está deixando para tratar com os futuros inquilinos do poder aqui e não com o atual governo.

Agora, numa questão como essa, em relação à grande geopolítica mundial, o Brasil deixou de ser um ator. Antes o Brasil era um país que tinha uma relação forte, não só formal, com os BRICS e portanto com Rússia e China, além da África do Sul.

Hoje não é um ator, não tem nada a dizer sobre isso, nada a comentar. Deixou de ser aquela capa do Economist que talvez tenha despertado muitos interesses possivelmente ligados a tudo o que se passou aqui no Brasil, ao golpe, à perseguição que continuou contra o presidente Lula, tudo muito organizado.

Essa capa mostrava o continente americano como um todo e de cabeça para baixo, de acordo com a convenção. E o título era “Nobody’s Backyard”. Ou seja, a América Latina, e América do Sul em particular, não é mais quintal de ninguém e infelizmente voltou a ser quintal e um quintal desprezado, um quintal tratado como realmente de segunda categoria.

Muito triste, muito triste para o Brasil, muito triste para os brasileiros que viram a nossa atuação importante no mundo em outros momentos.

Por: nocaute
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