MEIO AMBIENTE / Uma meta cada vez mais necessária – e cada vez mais inviável

A seca faz parte do imaginário cultural e da experiência histórica do nordestino brasileiro. O sol inclemente e o chão ressecado marcam profundamente aqueles que vivem entre eles, o que é refletido nos costumes, na cultura, na política e na economia da região. Viver no sertão nordestino é viver a escassez de água em seus limites – quando a escassez os supera, o sertanejo é forçado a deixar para trás sua terra e a compor o contingente de conterrâneos espalhados pelo Brasil.
Desde 2012, o Nordeste passa por uma de suas piores secas registradas até hoje; intensidade e frequência de eventos climáticos extremos poderão aumentar nas próximas décadas, em decorrência da mudança no clima global (crédito: Flávio Costa/Flickr - CC NY-NC 2.0)
Carcaças de gado. Rios de terra. Barragens sem uma gota d’água. A paisagem clássica do sertão ressecado, repetida tantas vezes na literatura e no cinema brasileiro, pode ser vista hoje no horizonte do sertão nordestino. No entanto, os sertanejos dizem, esta seca de hoje é diferente das secas clássicas. Ela é pior.

Desde 2012, os índices pluviométricos do sertão nordestino estão abaixo dos níveis históricos, resultando em perdas sucessivas de safra, baixa vazão da água dos rios e, consequentemente, problemas socioeconômicos graves para sua população. Quase 80% das cidades do Nordeste já decretaram estado de emergência ou de calamidade ao menos uma vez nos últimos cinco anos. No Piauí, este número é assombroso: mais de 98% dos municípios do estado recorreram à situação de emergência ou calamidade para conseguir recursos externos para aliviar o problema. No Ceará, a estiagem atual já pode ser considerada a pior seca de sua história.

A ocorrência de secas no interior do Nordeste é normal, mas a intensidade e o prolongamento de sua ocorrência levantam sérias preocupações no contexto da mudança do clima. De acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), em seu relatório publicado em 2012, “um clima em transformação leva a mudanças na frequência, intensidade, extensão espacial, duração e na temporalidade de eventos climáticos e meteorológicos extremos, e pode resultar em eventos extremos sem precedentes”.

Ou seja, ainda que não se possa afirmar categoricamente que a seca atual no sertão nordestino seja decorrente da mudança do clima, não se pode igualmente ignorar que algumas características deste fenômeno recente, como sua intensidade e duração prolongada, podem ser efeitos das alterações no clima global sobre o sistema climático do Polígono das Secas do Nordeste Brasileiro. Se isto for efetivo, desenha-se um cenário futuro problemático para os municípios e estados nordestinos e, consequentemente, para o Brasil.

Mas não estamos sozinhos. Ao redor do mundo, o aumento da temperatura média do planeta Terra nas últimas décadas começa a cobrar o seu preço. No Peru e na Colômbia, a forte temporada de chuvas no verão de 2016/2017 causou dezenas de mortos e desalojou milhares de pessoas. Na Índia, a redução nas chuvas de monção nos últimos anos pressiona agricultores a utilizar cada vez mais os lençóis freáticos para manter seus cultivos e para seu próprio consumo.

Se continuarmos nesta trajetória de aumentos sucessivos da temperatura média global nos próximos anos, precisaremos nos acostumar com situações dramáticas como as que estamos vendo em diversos lugares do mundo.

Uma saída para esta crise está no aprofundamento dos compromissos de redução de emissões definidos em 2015 por mais de 190 países no Acordo de Paris. A meta central deste documento é conter o aquecimento do planeta bem abaixo dos 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-Revolução Industrial até 2100, fazendo o possível para mantê-lo em até 1,5 grau Celsius.

Esta meta combinada não é gratuita: ainda que o IPCC defina 2 graus Celsius como uma “meta segura” para conter o aumento da temperatura média da Terra, o próprio Painel reconhece que o aquecimento neste nível implica em impactos climáticos negativos de grande amplitude, principalmente nas regiões mais pobres do planeta, sem infraestrutura e condições para lidar com as consequências da mudança do clima.

Em abril do ano passado, a European Geosciences Union publicou um estudo em que examina a variação de impacto relacionada com os diferentes limites para o aquecimento do planeta. De acordo com o estudo, os impactos associados à mudança do clima aumentam em 1/3 quando o limite para o aquecimento muda de 1,5 para 2 graus Celsius. Ondas de calor e tempestades de chuva também poderão ficar 1/3 mais intensas se o aumento da temperatura ficar em 2 graus.
No último verão, a forte temporada de chuvas causou a morte de mais de 70 pessoas no Peru e desalojou dezenas de milhares de pessoas (crédito: Ministerio de Defensa del Perú/Flickr – CC BY 2.0)
Em alguns casos, a diferença entre 1,5 e 2 graus Celsius é ainda mais notável. O estudo apontou que os recifes de corais tropicais têm uma chance de se adaptar e reverter parte de sua degradação sem o aumento da temperatura média global ficar abaixo dos 1,5 grau; acima disso, esta chance desaparece. Se o planeta se aquecer acima de 2 graus, os corais tropicais poderão estar virtualmente extintos até o final deste século.

Outro caso radical é a disponibilidade de água potável na região do Mar Mediterrâneo: se limitado a 1,5 grau Celsius, o aquecimento reduzirá os estoques locais de água fresca em apenas 9%; esta perda pode dobrar caso o aquecimento seja limitado a 2 graus Celsius.

Conter o aquecimento em 1,5 grau Celsius é um desafio ainda possível (saiba mais). A tecnologia e o conhecimento que temos para limitar o aquecimento em 2 graus Celsius são rigorosamente os mesmos necessários para limitá-lo em 1,5 grau Celsius. A questão-chave é o timing da resposta: qualquer meta que considere restringir o aquecimento em 1,5 grau Celsius precisa de decisões a serem tomadas o quanto antes – e a janela para ação fica cada vez menor.

Em 2016, vivemos o terceiro ano seguido com recorde de temperatura na Terra, que registrou aumento de 1,1 grau Celsius com relação aos níveis pré-industriais (saiba mais).  Não apenas 2016 foi o ano mais quente, mas oito de seus 12 meses (de janeiro a setembro, com exceção de junho) foram os mais quentes com relação aos respectivos meses nos anos anteriores. As temperaturas registradas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2016 ficaram atrás apenas daquelas registradas nesses mesmos meses em 2015. No retrospecto de longo prazo, a maior parte do aquecimento global aconteceu nos últimos 35 anos, sendo que 16 dos 17 anos mais quentes já registrados ocorreram depois do ano de 2000.

De acordo com análise publicada pela Carbon Brief no começo de abril, se seguirmos o padrão atual de emissões de gases de efeito estufa nos próximos quatro anos, a meta de limitar o aquecimento global neste século em 1,5 grau Celsius estará praticamente inviabilizada. Ou seja, antes mesmo do Acordo de Paris começar a funcionar plenamente, em 2020, uma de suas metas fundamentais poderá estar efetivamente perdida – e, com ela, a chance de evitar que desastres como os vemos hoje no noticiário se tornem mais frequentes e causem mais sofrimento.

Por: pagina22.com.br
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