MUNDO / Africanos temem perda de espaço no novo governo brasileiro
Antropólogo Kabengele Munanga diz temer mudança da postura brasileira. |
Diplomatas brasileiros ouvidos pela BBC Brasil sob condição de anonimato dizem que alguns dos postos com maior chance de serem fechados são os da Libéria, Serra Leoa e Mauritânia, na África, e os de Dominica, São Vicente e São Cristóvão, no Caribe.
Segundo diplomatas, uma pequena embaixada custa a partir de US$ 200 mil (R$ 718 mil) por ano, divididos entre salários de funcionários locais, carros e aluguéis. O orçamento anual do ministério é de cerca de R$ 3 bilhões.
No governo Lula (2003-2010), o Brasil inaugurou 19 das 37 embaixadas que mantém na África, tornando-se o país com a quinta maior presença diplomática no continente. O comércio do Brasil como os países africanos passou de US$ 6 bilhões, em 2003, a US$ 26,5 bilhões, em 2012.
No período, empresas brasileiras - entre as quais Odebrecht, Camargo Correia e Vale - também expandiram sua atuação no continente, muitas vezes amparadas por empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).
Serra sinalizou que pode fechar algumas embaixadas. |
Serra diz que a África não perderá espaço no novo governo. Em 28 de maio, em sua segunda viagem como chanceler, ele visitou Cabo Verde, ex-colônia portuguesa considerada um "caso de sucesso" no continente.
'Política diferenciada'
O antropólogo congolês Kabengele Munanga, professor visitante da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, diz se preocupar não só com a extinção das missões, mas com uma mudança na postura que o Brasil manteve em relação à África na última década.
"Era uma política diferenciada porque sentíamos que, ainda que não haja relações sem interesse, era uma relação de respeito, solidariedade e consideração com os países africanos", ele diz à BBC Brasil.
Munanga diz que, diferentemente de potências, o Brasil se relaciona com países do continente "sem complexo de superioridade". Ele descreve o clima festivo numa recepção a Lula no Benin, quando o presidente esteve acompanhado por seu chanceler, Celso Amorim, e pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil. "Todos estavam muito à vontade. Gil vestia uma bata africana e dançava. Nunca vi isso entre diplomatas europeus.
Lula fez várias visitas à África durante seu governo. |
Munanga também diz temer cortes nos programas de intercâmbio estudantil que o Brasil mantém com países africanos. Desde o início do século, milhares de jovens africanos ganharam bolsas para estudar em universidades públicas brasileiras.
Segundo Munanga, a maioria dos estudantes pertence a famílias pobres, já que as mais ricas costumam mandar seus filhos para universidades na Europa ou nos EUA. O antropólogo afirma que esses jovens criam laços com o Brasil e, ao voltar à terra natal, assumem posições de destaque, ajudando a estreitar a relação com o país que os acolheu.
Para o sociólogo brasileiro Alex André Vargem, que pesquisa temas africanos, a relação do Brasil com o continente "deve ser pensada a partir do reconhecimento de que mais da metade dos brasileiros tem antepassados africanos".
"O Brasil ainda não enxerga a África como parte de sua própria história", ele diz. Para Vargem, fechar embaixadas no continente iria na contramão de ações para reparar injustiças históricas contra os negros, como a criação de cotas raciais.
Africano relembra clima festivo de recepções a Lula no continente. |
Um diplomata africano que já atuou no Brasil e hoje serve em Washington disse à BBC Brasil que países que tiverem embaixadas fechadas podem encarar a ação como um "ato hostil". Muitas das nações onde o Brasil abriu missões nos últimos anos retribuiram o gesto, inaugurando embaixadas em Brasília.
"São países muito pobres, mas que mesmo assim investiram tempo e recursos nessa relação", ele afirma. "Vai parecer que todo o esforço foi em vão e pode fazer o país desconfiar se o Brasil tentar alguma reaproximação no futuro."
Se levar o plano adiante, não seria a primeira vez que o Itamaraty fecha embaixadas na África. No governo Fernando Henrique Cardoso, foram fechados postos na Zâmbia, República Democrática do Congo e Tunísia - todos reabertos nos anos Lula.
'Maior ativo diplomático'
Mesmo dentro do Itamaraty, o fechamento de postos é polêmico.
Um diplomata diz que a rede de embaixadas do Brasil é um dos maiores "ativos diplomáticos" do país. Uma embaixada num país pequeno, afirma ele, gera custos relativamente baixos e oferece vantagens expressivas. Nesses locais, segundo o diplomata, muitos embaixadores têm o celular do chanceler ou do próprio presidente, o que facilita negociações de interesse do país.
Outros diplomatas defendem enxugar a operação na África e no Caribe.
Diplomata afirma que países africanos se decepcionaram com os anos Dilma. |
O diplomata diz que, mais importante que manter todas as embaixadas é revitalizar os programas de cooperação com nações caribenhas e africanas. Segundo ele, muitos países dessas regiões já estão decepcionados com a redução de recursos nos anos Dilma.
No fim do governo Lula, o orçamento da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que coordena esses programas, alcançava US$ 100 milhões. Sob Dilma, o montante despencou para US$ 6 milhões.
O diplomata defende que as embaixadas sejam fechadas de maneira "inteligente", oferecendo aos países algo de que necessitem, como treinamento profissional ou ações para o aprimoramento da agricultura. Por: João Fellet / BBC Brasil em Washington
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