Associação questiona multinacional alemã sobre aumento de
50% nos últimos três anos no número de pesticidas comercializados no Brasil e
não permitidos na Europa e alerta para liberação de produtos pelo governo
Bolsonaro.
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Do lado de fora do Centro de Conferências de Bonn, onde ocorreu reunião anual dos acionistas da Bayer, jovens protestaram contra a empresa nesta sexta |
Passado quase um ano da conclusão da
aquisição da Monsantopela Bayer, um grupo de associações e ativistas lançou nesta quinta-feira
(25.04) o estudo "
Um ano Bayer-Monsanto: um balanço crítico",
questionando as práticas da multinacional alemã em diversas partes do mundo.
Das dez páginas do relatório, duas delas se referem ao
Brasil, e o principal dado divulgado é que, de 2016 para 2019, houve um aumento
de 50% no número de agrotóxicos vendidos no Brasil que são proibidos na União
Europeia (UE). Um levantamento de 2016 apontou que eram oito produtos e, agora,
três anos depois, são 12.
O estudo foi realizado em parceria pela rede de
desenvolvimento alemã Inkota, a ONG católica de ajuda ao desenvolvimento
Misereor e a rede de ativistas Associação de Acionistas Críticos na Alemanha.
Após a compra da Monsanto, a Bayer se tornou a líder mundial
no mercado de sementes, fertilizantes e pesticidas, e o Brasil é o segundo
maior mercado para a divisão agrícola da empresa.
"O Brasil é o mercado do futuro para os agrotóxicos. Os
Estados Unidos já parecem ter atingido seu limite de liberações [de
agrotóxicos], e a sociedade da União Europeia não está disposta a tolerar mais
agrotóxicos. Países como China e Índia também já estão mais conscientes. No
Brasil, porém, a sociedade em geral não parece fazer tanta pressão",
afirma Christian Russau, da direção da associação de acionistas críticos.
"E o Brasil ainda tem um governo de extrema direita
despreocupado com o meio ambiente e uma bancada ruralista muito forte, que
pressiona o governo para conseguir cada vez mais liberações", diz.
O estudo sobre a Bayer foi lançado às vésperas da reunião
anual de acionistas da multinacional, que ocorreu nesta sexta-feira (26/04) em
Bonn, na Alemanha. O evento foi uma oportunidade para os ativistas apresentarem
os dados compilados e questionarem a empresa sobre a venda no Brasil de
agrotóxicos proibidos na Europa.
De acordo com a lei alemã, todos os acionistas têm direito
de comparecer à reunião anual e fazer questionamentos, não importando o número
de ações que detenham. Se o acionista não pode ou não deseja comparecer, é
permitido que ele indique um representante.
A Associação de Acionistas Críticos mobiliza-se para comprar
ações de várias empresas alemãs de capital aberto – como Bayer, BASF, Siemens e
Deutsche Bank – e as gerencia para que ativistas possam participar das
assembleias gerais e questionar as grandes corporações.
Desde 1986, a associação pressiona companhias por mais
transparência, respeito aos direitos trabalhistas e humanos, fim da produção de
armamento e proteção ambiental.
O brasileiro Alan Tygel, da coordenação da Campanha
Permanente contra Agrotóxicos e Pela Vida, foi um dos ativistas que participou
da reunião desta sexta-feira como representante da associação.
"As grandes corporações da área agrícola acabam focando
países com regulações mais permissivas, como Brasil, Paraguai e Argentina. A
Bayer é uma empresa privada que visa o lucro. Não esperamos que uma mudança
parta dela, mas tentamos, sim, pressionar o governo para que se façam as
regulações necessárias para que a saúde da população seja garantida",
afirma Tygel.
Para ele, em países como o Brasil as megacorporações em
países têm maior poder de lobby com o governo, mais capacidade de investimento
em propagandas e em pesquisas que as apoiem e a possibilidade de impor a venda
de pacotes conjuntos de tecnologias – por exemplo, a comercialização de uma
semente que exige o uso de um determinado agrotóxico vendido pela mesma
empresa.
"No Brasil, com a união entre a Bayer e a Monsanto,
mais de 50% das sementes transgênicas vêm da mesma empresa", pontua.
Dados alarmantes
No relatório, os ativistas chamam a atenção para um dado
alarmante divulgado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) em
2015. Naquele ano, estimou-se que cada pessoa no Brasil "consumiu"
cerca de 7,3 litros de agrotóxicos por ano, ao dividir-se a quantidade de
químicos vendida pelo número de habitantes do país.
O texto também destaca que um estudo da Universidade Federal
de Mato Grosso mostrou que em 13 municípios (com população total de 644.746
moradores), onde soja, milho e algodão foram plantados entre 1992 e 2014, houve
1.442 casos de câncer gástrico, esofágico e pancreático. Em comparação com
outros 13 municípios (219.801 habitantes no total), onde a atividade principal
é o turismo, e não a agricultura, o número de casos foi de apenas 53.
A
velocidade de liberação de agrotóxicos no Brasil é outro
destaque do estudo, que aponta que, somente nos primeiros 42 primeiros dias do
governo de Jair Bolsonaro foram liberados 57 novos registros. Outra preocupação
dos ativistas é quanto aos níveis de tolerância de resíduos, que são muito
maiores no Brasil do que na União Europeia.
Num estudo separado, o atlas Geografia do Uso de Agrotóxico
no Brasil e Conexões com a União Europeia, publicado no final de 2017, a
professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi
comparou os dois cenários.
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Vestidos de apicultores, ativistas protestaram contra o alto consumo de agrotóxicos em frente ao evento da Bayer |
Segundo a pesquisadora, a
atrazina, por exemplo, sétimo pesticida mais vendido no Brasil e
proibido na Europa, tem um limite máximo de resíduo para cana, milho e sorgo
cinco vezes maior no Brasil do que o permitido na UE.
Além disso, no Brasil, o limite de resíduo de
glifosato no
café é dez vezes maior do que na UE e, na soja, 200 vezes maior. Quanto à água
potável a diferença de parâmetros é ainda maior: o limite de glifosato
permitido é 5 mil vezes maior no Brasil.
Consumo indireto de agrotóxicos
Mesmo preocupados com a venda e uso de agrotóxicos na União
Europeia, muitos europeus não percebem que acabam entrando em contato com essas
sustâncias indiretamente.
O Atlas da Geografia aponta que o Brasil exportou, em 2016,
café equivalente a 974 milhões de dólares para a Alemanha. No Brasil, para o
cultivo de café estão autorizados 121 tipos de agrotóxicos, dos quais 30 são
proibidos na Europa, ou seja, 25%.
"Muitos alemães não sabem que, indiretamente, eles
consomem esses agrotóxicos proibidos aqui. Por exemplo, na soja que serve de
comida para o gado, que depois vai parar na mesa das pessoas", ressalta
Lena Michelsen, consultora global de alimentação e agricultura da Inkota.
O que diz a Bayer
Em resposta a críticas de ativistas e organizações,
incluindo o estudo da Inkota, Misereor e da Associação dos Acionistas Críticos,
a Bayer afirma que comercializa mundo afora, "inclusive em economias
emergentes e em países em desenvolvimento", apenas produtos
fitofarmacêuticos que estão registrados em pelo menos um país da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Além disso, a empresa diz que os produtos da empresa no
Brasil e em todos os países onde atua atendem aos requisitos regulatórios de
cada governo.
"No Brasil, por exemplo, comercializamos o indaziflam,
um dos nossos mais novos herbicidas. Não solicitamos aprovação para esta
substância na União Europeia, porque os produtos à base de indaziflam são
comercializados exclusivamente na Ásia e na América Latina", afirma a
Bayer.
A empresa também informa que todos os produtos
fitossanitários comercializados pela Bayer em todo o mundo "foram
cuidadosamente testados quanto à segurança para os seres humanos, animais e
ambiente e que foram aprovados pelas autoridades reguladoras competentes".
Sobre o poder de influência sobre governos, a corporação
afirma que "o trabalho político da Bayer é regido pelos princípios da
transparência e do Código de Conduta para o Lobby Responsável" da empresa.
Por:
dw
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