ECONOMIA / MUDANÇA NA PREVIDÊNCIA RURAL DIFICULTA ACESSO À APOSENTADORIA

A medida provisória 871, aprovada pelo governo Jair Bolsonaro, transfere dos sindicatos para as prefeituras a comprovação do tempo trabalhado no campo, criando um Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS); segundo a Contag, apenas 3% dos agricultores estão cadastrados no CNIS; sindicatos alertam para situações de corrupção e de "cabresto eleitoral"
Medida Provisória de Bolsonaro (PSL) transfere para as prefeituras a comprovação que era feita nos sindicatos rurais
O agricultor familiar Lucindo Alves é assentado da reforma agrária no município de São Domingo (GO) e está preocupado com sua aposentadoria. Ele produz milho, arroz, feijão e abóbora e cria galinhas para subsistência. A modalidade de cultivo em que Alves atua é conhecida como "sequeiro", ou seja, só produz no período das chuvas. Com a mudança na Previdência Rural, encabeçada por Jair Bolsonaro (PSL), o agricultor tem o receio de não conseguir comprovar o tempo trabalhado e, com isso, ficar sem o benefício: "Se o governo está querendo fazer isso, é para o trabalhador morrer sem o benefício que ele tanto luta, no fim da sua vida".

O principal alvo de questionamento dos produtores rurais é a medida provisória 871, de 18 de janeiro, que transfere dos sindicatos para as prefeituras a comprovação do tempo trabalhado no campo, criando um Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para segurados rurais. Com o fim da Declaração de Atividade Rural emitida pelos sindicatos, a aposentadoria também deverá ser homologada por uma Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), credenciada no Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.

Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), apenas 3% dos agricultores estão cadastrados no CNIS. Representantes da entidade alertam que a transferência de autoridade para as prefeituras pode abrir espaço para situações de corrupção e "cabresto eleitoral" – políticos poderiam utilizar o reconhecimento do tempo trabalhado por votos e apoio político nas eleições.

Aristides dos Santos, presidente da Confederação, é contrário à medida provisória: “Agora são os órgãos públicos que têm que homologar. Ou seja, isso não é mais com o INSS, na relação direta com os sindicatos. Isso pode diminuir o acesso dos agricultores e agricultoras à Previdência Social”, alerta Aristides dos Santos, presidente da Contag.

"Com essa questão da retirada do sindicato, 90% dos agricultores familiares não vai conseguir aposentar", estima Alves. "O sindicato é a pessoa que nos representa, traz informação e nos ajuda no campo. Porque a gente só vai a cada 30 dias na cidade mais próxima, e só quando a gente tem dinheiro. Nós não temos outro representante além do sindicato".

Como funcionava antes
A certificação do tempo trabalhado na agricultura é feita, tradicionalmente, nos sindicatos rurais, principal forma de organização dos agricultores familiares.

Dessa forma, em dezembro do ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) liberou o pagamento de benefícios no campo para 52.351 agricultores, que são considerados segurados especiais – pois a contribuição deles para o sistema previdenciário é indireta, em forma de impostos sobre a produção. O tempo de espera para a concessão das aposentadorias é de 50 dias, em média, para aposentadorias e auxílios no campo.

"A prefeitura não tem nenhum técnico, não tem ninguém", insiste Alves. "Tem coisas que o prefeito vai pedir para o sindicato fazer, porque eles não tem gente para fazer e não tem a mínima estrutura para fazer esse cadastro. Hoje ainda funciona, com o sindicato. Mas, se tirar o sindicato, acabou, porque a prefeitura e o estado não têm condições de fazer".

A medida provisória de Bolsonaro entrou em vigor automaticamente, sem precisar da confirmação do Congresso, por um período de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Se os parlamentares não rejeitarem a MP, as alterações na aposentadoria rural se tornam regras definitivas.

"Pente-fino"
Secretária de Políticas Sociais da Contag, Edijane Rodrigues afirma que compreende o receio dos agricultores familiares com as mudanças na Previdência Social e a fragilização do papel dos sindicatos. Ela ressalta que o pretexto de Bolsonaro, assim como no Bolsa Família, é fazer um "pente-fino" nos benefícios para evitar supostas fraudes. Ou seja, o governo federal parte do pressuposto de que as entidades sindicais seriam cúmplices de irregularidades na comprovação do tempo de trabalho dos agricultores – sem nenhum caso concreto ou evidência prática.

"Eu sempre reafirmo o papel histórico dos sindicatos para ajudar a construir a nossa política de Previdência Social rural, que hoje é uma das mais importantes para garantir a produção alimentos saudáveis no campo, como também para a economia de mais de 70% dos municípios brasileiros", enaltece.

Segundo Rodrigues, que também coordena a pasta de Previdência Social da Contag, dar atribuições às empresas de assistência técnica dos estados sobre o processo das aposentadorias é uma forma de inviabilizar o acesso dos trabalhadores rurais aos benefícios, uma vez que muitas dessas empresas estão sendo fechadas desde 2017 por falta de recursos e estrutura.

A mudança nas regras de concessão de benefícios do INSS para agricultores ocorre em um contexto de transformações na Previdência Social também entre os trabalhadores urbanos. Nesta quarta-feira (20), Bolsonaro apresenta ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da Previdência, que inclui o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e a introdução de um regime de capitalização. A idade mínima para aposentadoria passa a ser de 65 anos, para os homens, e 62 anos, para as mulheres.

Por: brasildefato
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