FIQUE SABENDO! / Livro recente prova que Tiradentes não morreu na forca

O historiador maranhense Austregésilo Cerqueira Nunes acaba de publicar colossal estudo (“O enforcado que deu no pé”, edição do autor, 666 páginas), com o objetivo de provar que o protomártir da independência brasileira não morreu enforcado. Muitos estudiosos vêm há anos debulhando o mesmo assunto, mergulhados nas densas brumas que cercam o mais famoso episódio de nossa história. Com efeito, tornaram-se transparentes, hoje em dia, vários tópicos obscuros da malograda conspiração. Sabe-se, por exemplo, que Cláudio Manuel da Costa não se suicidou, mas foi assassinado para não delatar gente graúda (ver Silviano Santiago “Em liberdade”, segunda parte).
Ilustração: Colagem a partir de suposto retrato de Tiradentes, em trajes de alferes
Entre os figurões coloniais, é certo que o governador-general, Visconde de Barbacena, estava envolvido até o pescoço na conspiração, motivo pelo qual demorou tanto para denunciar o complô ao vice-rei, seu próprio tio. O principal delator, Joaquim Silvério dos Reis era tio-avô do intrépido Duque de Caxias. Que o poeta Tomás Antônio Gonzaga foi apaixonado e noivo de Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a Marília de suas comoventes liras, consta dos livros escolares. Mas quase ninguém refere a “Marília loura”, a outra, com quem teve um filho. Por falar em filhos, o poeta Cláudio tinha seis. O próprio Tiradentes, bom violonista e razoável cantador de modinhas, enterneceu inúmeras donzelas românticas de Vila Rica e do Rio de Janeiro, tendo pelo menos uma filha, Joaquina. Tudo isto é sabido por alguns e desconhecido por quase todos. Mas a grande polêmica, que toca fundo o orgulho nacional (se é que nos resta algum, depois do vexaminoso golpe de estado que vivemos hoje), está relacionada com a monumental farsa envolvendo carrasco, magistrados, militares, testemunhas e notável hipnotizador da época, com o objetivo de esconder a verdade sobre a morte de nosso herói maior.

ROENDO A CORDA PUÍDA
As primeiras 50 páginas do livro são dedicadas a erudita introdução, que relaciona mais de 200 obras sobre a Inconfidência Mineira, prova da competência, ou pelo menos da dedicação, do autor. Mas logo no primeiro capítulo surge a nova versão, muito bem documentada, com diversas testemunhas oculares narrando como viram o hipotético enforcamento. Como não interessava a ninguém uma versão menos heroica dos fatos, tais depoimentos permaneceram durante mais de dois séculos confinados aos cafundós dos arquivos públicos.

Segundo quatro companheiros do alferes, que presenciaram de perto o hipotético enforcamento, a corda se rompeu no momento em que Tiradentes despencou, rolando o corpo para debaixo do cadafalso, de onde foi imediatamente recolhido pelos assustados amigos. Conduzido a uma casa próxima, constatou-se que nada sofrera na queda, já que a corda, embora grossa e áspera, estava inteiramente roída por ratos e baratas, e ainda apodrecida pela umidade e pela maresia dos porões cariocas.

Poucos dias depois, graças a documentos falsos, Tiradentes se tornou Joaquim José de Freitas, vivendo o resto da vida como barbeiro-cirurgião, dos mais requisitados, em São Luís do Maranhão, cidade que o acolheu como filho. Morreu aos 72 anos, cercado de netos e bisnetos, gordo e próspero, mas com imensa mágoa de ser apenas grosseira falsificação do herói que poderia ter sido.

HIPNOTIZADOR EM CENA
Sabe-se, com absoluta certeza, que a cerimônia foi assistida por centenas de cidadãos (homens, mulheres e crianças), além de policiais e autoridades, incluindo o capuchinho que absolveu o réu de seus pecados e deu-lhe a beijar a cruz. Como se explica então que Tiradentes tenha escapado ileso, diante de tal multidão, que esperava com sádico prazer o enforcamento? Esclarece nosso erudito historiador que, entre os amigos do alferes, havia um discípulo do famoso conde Cagliostro, recém-chegado da Europa, com quem estudara a fundo não só hipnose individual e coletiva, como ultraenigmáticos arcanos da alquimia, sendo capaz de autênticos milagres, conforme demonstrou posteriormente nas províncias de Minas, São Paulo e Bahia.

Pois bem. Postando-se de frente para a multidão logo após o “enforcamento”, induziu tão profundo transe hipnótico coletivo que todos viram, com indiscutível clareza, a queda do corpo, o salto do carrasco sobre o corpo agonizante, os momentos finais da agonia e a descida do cadáver, despido e esquartejado ali mesmo.

EXPOSIÇÃO DOS DESPOJOS
Ora, se até aí a pesquisa pode ser considerada convincente, já que ninguém nega o hipnotismo, como se explica que o corpo esquartejado tenha sido exposto em vários pontos, inclusive em Ouro Preto, que teve a “honra” de receber a cabeça do protomártir?

Austregésilo não se deixa intimidar. Com apoio em farta documentação, demonstra que não foi Tiradentes o esquartejado. Nem foi entre as ruas Senhor dos Passos e da Alfândega que o fizeram após o falso enforcamento, mas muito depois e – sem sombra de dúvida – a um mendigo anônimo, que a polícia encontrou morto na porta da Igreja da Lampadosa e prontamente entregou aos esquartejadores. Argumenta mais o historiador: “Como seria possível, mesmo a familiares e amigos próximos, reconhecer o inditoso Tiradentes após três anos mergulhado no fundo de asquerosa masmorra de pedra nua e limosa, sem um único banho, com a roupa em farrapos, os cabelos ensebados, tendo por única companhia baratas, ratos, pulgas e percevejos asquerosos?” Trata-se de argumento irrefutável.

O HEROÍSMO DOS HERÓIS
Depois de mais de 500 páginas de depoimentos, análise, testemunhos e muita documentação da época, o autor encerra seu monumental estudo narrando os derradeiros anos de Tiradentes, ou seja, de Joaquim José de Freitas, em São Luís. Conta por exemplo que, frequentemente, eram os parentes acordados com gritos terríveis do antigo alferes que, em sonhos, via-se conduzido à forca e efetivamente enforcado.

Em outras ocasiões, muito mais frequentes, o encontravam soluçando pelos corredores, alta madrugada, a clamar que queria ser enforcado, que precisava provar quem era e que nenhum herói verdadeiro foge a seu destino de sofrimento e de glória.

Hoje, diante da avalanche de mentiras, vazamentos e falsas denúncias que nos empurram diariamente goela abaixo, nada há de espantoso nas descobertas do ilustre historiador. Por: Sebastião Nunes / Jornal GGN
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