MUNDO / Chernobyl, 30 anos depois

Como uma explosão de vapor desencadeou o maior acidente atômico da História. Orgulho soviético atrasou socorro. O papel heroico dos “liquidadores”. Novo “sarcófago” tenta conter radiação.
Uma placa de alerta de radioatividade pendurada em arame farpado em Pripyat, Ucrânia (foto: D. Markosian/Voice of America/domínio público)
Pripyat, República Socialista Soviética da Ucrânia.

À 1h23 da manhã de 26 de abril de 1986, um dos quatro reatores da usina nuclear de Chernobyl sofreu uma fortíssima explosão de vapor, que destruiu a sua cobertura e abriu um buraco no teto da usina. Sem contar com uma estrutura efetiva de contenção de contaminação, a explosão acabou expondo o material radioativo do reator.

Em funcionamento há menos de 10 anos, a usina de Chernobyl consistia de quatro reatores, cada um com capacidade de produzir 1000 MW de enegia elétrica, o que garantia o atendimento de cerca de 10% da demanda elétrica da Ucrânia na época do acidente. A usina, que carregava o nome do fundador da União Soviética, Vladimir Lênin, era motivo de orgulho para ucranianos e soviéticos.

Tragédia de erros
O orgulho, com uma pitada de incompetência administrativa, acabou atrasando bastante o processo de evacuação da região da usina logo após o acidente. Hoje sabe-se que o governo soviético, responsável pela administração da usina, subestimou a dimensão e as consequências do acidente, tanto que nem sequer possuía um plano de ação para situações emergenciais na usina e nos seus arredores.

Um exemplo disso é o atraso de mais de 24 horas na evacuação dos 48 mil habitantes de Pripyat, localizada a menos de três quilômetros da usina. No decorrer do dia 26, milhares de pessoas já tinha se encaminhado aos hospitais da cidade com sintomas de intoxicação radioativa. As informações públicas sobre a situação em Chernobyl eram escassas e desencontradas, inclusive para o próprio governo ucraniano – tanto que a tradicional parada militar de celebração do 1º de Maio em Kiev foi mantida e realizada, com a participação de agrupamentos de crianças nas ruas, mesmo sem qualquer garantia de que isto fosse seguro (o que se provou, posteriormente, que não era).
Vista aérea da usina de Chernobyl, tirada do telhado de um edifício residencial abandonado na cidade de Pripyat (foto: Jason Minshull/Wikimedia/domínio público)
O comunicado sobre a evacuação de Pripyat falava pouco sobre as condições reais da usina e recomendava aos habitantes da cidade que carregassem poucas coisas consigo na hora de sair – a evacuação duraria apenas três dias, de acordo com as autoridades soviéticas. Assim, as pessoas acabaram deixando praticamente todos os seus pertences em suas casas em Pripyat, com a esperança de que retornariam em breve.

No entanto, nos dias que se seguiram, ao invés de as pessoas retornarem à região, a evacuação acabou sendo ampliada. Dois dias após do acidente, pessoas no raio de 10 km da usina foram evacuadas. Menos de uma semana depois disso, a zona de exclusão aumentou para 30 km. No total, mais de 115 mil pessoas precisaram abandonar suas casas para fugir da contaminação radioativa. Nos anos seguintes, outras 230 mil pessoas precisaram fazer o mesmo. Hoje, cerca de 5 milhões de pessoas na Ucrânia, Rússia e Bielorrússia ainda vivem em regiões com alta quantidade de radiação.

Nos dez dias em que o combustível radioativo da usina ardeu em chamas, liberando nuvens tóxicas na atmosfera terrestre, o governo soviético não realizou nenhum comunicado público sobre o acidente. Contaminantes radioativos rapidamente chegaram a países como Alemanha, Dinamarca e Suécia neste período. Mais de 3/4 do território europeu acabaram recebendo as nuvens tóxicas de Chernobyl nos dias que se seguiram ao acidente. Apenas para comparação, Chernobyl liberou mais de 440 mil metros cúbicos de resíduos radioativos – 15 vezes mais que o lixo nuclear de todas as usinas nucleares da Alemanha hoje.

Heróis descartáveis
A contaminação radioativa durou dez dias em Chernobyl. Com o incêndio controlado no reator e as evacuações sendo feitas nos arredores, as autoridades soviéticas concentraram seus esforços na retirada dos destroços radioativos da usina. Para tanto, mais de 600 mil pessoas, entre militares, policiais, bombeiros e funcionários administrativos soviéticos, foram escalados para os trabalhos de limpeza e selamento do reator nos meses que se seguiram ao acidente.
Intervenção pública em frente à sede da Organização Mundial da Saúde, com retratos de “liquidadores” que faleceram nos anos seguintes ao acidente em Chernobyl (foto: MHM55/Wikimedia Commons)
Os “liquidadores”, como acabaram sendo denominados, acabaram tornando-se as principais vítimas do desastre de Chernobyl. O trabalho de limpeza era realmente insano: cada trabalhador, usando vestimenta de proteção que pesava quase 30 quilos, precisava entrar no recinto a ser limpado e retirar os escombros radioativos em apenas 40 segundos, por causa das altíssimas doses de radiação. No entanto, a vestimenta era inadequada (muitos sequer a usavam, pois ela era escassa para todos os “liquidadores” de Chernobyl) para este grau de radiação, o que permitiu a contaminação em quase 100 vezes o limite cientificamente aceitável para uma pessoa.

Além do trabalho de limpeza, os “liquidadores” também se encarregaram da construção de um “sarcófago” de concreto para isolar o material radioativo ainda presente dentro da usina.

Em dezembro de 1986, o trabalho de limpeza e isolamento da usina estava concluído. O governo soviético tinha a esperança de que este esforço relativamente rápido na contenção da radioatividade permitisse o retorno dos habitantes dos arredores de Chernobyl e a recuperação da agricultura local, importante atividade econômica da Ucrânia para o bloco soviético. No final, o reassentamento de pessoas nos limites da zona de exclusão foi bastante marginal, composto basicamente por militares e funcionários públicos.
Medalha entregue pelo governo soviético aos mais de 600 mil trabalhadores que auxiliaram na limpeza do material radioativo nos arredores de Chernobyl (foto: Wikimedia/Creative Commons)
Em janeiro de 1987, as autoridades soviéticas e ucranianas realizaram uma cerimônia de reconhecimento aos trabalhadores que ajudaram na limpeza e contenção em Chernobyl. Uma medalha especial de heroísmo foi entregue a cada um. Nos anos seguintes, o abandono foi tão fatal quanto a exposição à radiação na usina para estas pessoas. Com a queda do bloco soviético em 1989 e a consequente dissolução da própria União Soviética em 1991, os esforços de apoio aos trabalhadores de Chernobyl acabaram diluídos e reduzidos drasticamente no decorrer dos anos 1990.

Os números são bastante divergentes: autoridades na Rússia e Bielorrússia falam em apenas 200 “liquidadores” mortos por contaminação; um relatório da ONU, publicado em 2005 em meio a polêmicas, aponta apenas 50 mortos; já a Ucrânia fala em, pelo menos, cinco mil pessoas; o Greenpeace, por sua vez, estima em mais de 90 mil pessoas.

Os custos e o futuro
No final dos anos 1990, o sarcófago original que sela os escombros da usina de Chernobyl começou a apresentar riscos de desmoronamento. O governo ucraniano, junto com as Nações Unidas, demorou quase dez anos para viabilizar a construção de uma nova estrutura de contenção, finalmente iniciada em 2010, com previsão de conclusão para 2017. Com altura de 100 metros, o novo sarcófago de Chernobyl poderia cobrir pontos turísticos globais, como o Big Ben londrino e a catedral de Notre-Dame de Paris.
O novo sarcófago de Chernobyl, que deverá ser concluído até o final de 2017 (foto: Timon91/Flickr/Creative Commons)
O custo da construção: US$ 2,4 bilhões. A vida útil prevista: 100 anos. O financiamento para manutenção da estrutura neste século: tão incerto quanto o futuro político da própria Ucrânia, ainda envolta em conflitos separatistas causados pela crise política de 2014.

Por enquanto, um futuro limpo para a região de Chernobyl não passa de ilusão. A tecnologia necessária para manuseio, disposição e estocagem do material radioativo da usina ainda não existe. Não se prevê que isto venha a se viabilizar em breve, principalmente porque não existem recursos suficientemente alocados para financiar pesquisa e desenvolvimento de soluções.

Uma única certeza: em 2117, quando a vida útil do sarcófago terminar, mais de 130 anos depois do acidente, a usina e seus arredores continuarão radioativos. Por: Pagina22
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